Um papo com o bisneto de Oscar Niemeyer
Oscar Niemeyer, o mito da arquitetura moderna brasileira, era um homem extremamente simples, generoso e atencioso com todos. “Ele ajudava todo mundo. Do porteiro do prédio e motorista aos amigos como o comunista Luis Carlos Prestes, para quem ele deu um apartamento para morar”, recorda o bisneto Carlos Ricardo Niemeyer de Medeiros, que conviveu com Oscar Niemeyer até seis anos atrás, quando ele faleceu aos 104 anos.
Na quinta-feira passada, Carlos Ricardo estevem em São Paulo, em ocasião da abertura da exposição Niemeyer Sensorial, em cartaz no Shopping Pátio Higienópolis até 19 de agosto. A mostra, como explicam os organizadores, é uma oportunidade de atrair e impactar o público em seis estações temáticas que apresentam o universo da obra de Oscar Niemeyer por meio de tecnologia sensorial, cenários imersivos e narrativas integradas.
PRAZERICES conversou com o bisneto de Oscar Niemeyer durante a abertura da exposição. Leia abaixo os principais trechos:
O que você achou da exposição?
A exposição está incrível. Apresenta a obra dele de forma lúdica e diferenciada, mostrando o processo criativo através do desenho, a mão livre, com a liberdade presente na obra de Niemeyer. E essa liberdade permite uma criatividade ilimitada. Uma liberdade que faz aparecer a beleza na arquitetura dele. A forma sensorial dá acesso às pessoas com deficiência visual. Também gostei bastante da sala escura com projeções das obras de Niemeyer. A cada momento surge um elemento novo e surpreendente.
Você conviveu com seu bisavô até os 104 anos. Que lições tirou desse convívio com esse mito da arquitetura mundial?
Ele foi, além de um arquiteto genial, uma pessoa sempre simples e generosa. Um homem que trabalhou muito e demonstrou uma verdadeira paixão pelo que fazia. Como eu dormia muito na casa dele, ao acordar para ir para a escola eu percebia que ele já havia saído para o trabalho. À noite, ele voltava do trabalho bem tarde, enquanto assistíamos Jô Soares. Ele transformou o trabalho na vida dele. A paixão pelo que fazia resultou em projetos bem feitos. O escritório era um ambiente de convivência dele com os amigos.
Pelo visto, ele jamais parou de trabalhar…
Sim. Ele trabalhou até quase o final da vida. Só que de forma diferente, com certa deficiência para enxergar e desenhar. Ele mudou a forma de trabalhar e isso acontecia mais a partir de conversas com os colaboradores. Na vida toda, o estilo de trabalho dele era muito individual, de certa forma solitário no processo criativo. Niemeyer tinha um escritório pequeno em Copacabana, onde trabalhava com poucas pessoas. Você pega outros arquitetos de nível mundial, que têm escritórios enormes. Uma vez ele fez uma viagem ao exterior e perguntaram para ele onde estava seu avião – Niemeyer não gostava de voar e, embora pudesse bancar a compra de uma aeronave, seu estilo jamais o permitirá fazer certa aquisição. Ele era um arquiteto de enorme projeção, mas não tinha luxo nem estruturas monstruosas.
O que Niemeyer queria exatamente passar com sua arquitetura?
Ele buscava sempre fazer algo que surpreendesse as pessoas. Para ele, a liberdade era algo fundamental. Romper padrões, buscar sempre algo novo, criativo, algo que não tinha sido feito antes. A arquitetura nem sempre serve aos pobres. De uma forma geral, ela tende aos ricos. A obra dele, dada a beleza, chega às camadas menos favorecidas.
Vivemos na era da arquitetura disruptiva e cheia de ostentação, a exemplo da Ásia e dos Emirados Árabes disputando quem cria os edifícios mais altos do mundo. Geralmente obras inovadoras e desafiadoras à engenharia. O que Niemeyer teria pensado a respeito disso?
A arquitetura dele, com sua total liberdade, sempre foi muito desafiante para a técnica e para os engenheiros que trabalhavam com ele. Muitas de suas obras desafiaram os engenheiros ao extremo. Ele citava sempre o Joaquim Cardoso, um dos mais importantes calculistas que trabalhou com ele em Brasília. Uma vez, Cardoso ligou para ele para contar que havia encontrado a tangente ideal para a cúpula do Congresso Nacional, o que faria parecer que a cúpula estava simplesmente tocando o solo. Esse tipo de desafio sempre esteve presente em toda trajetória de Niemeyer.
Segundo o filósofo alemão Friedrich Schiller, “a liberdade é a condição para existir a beleza”. E é o que você vê na obra de Oscar Niemeyer. A beleza está no fato dele ter total liberdade para criar. Tanto no traço dele que não tem nenhuma imitação e cria coisas surpreendentes até a questão do concreto armado, que tinha a plasticidade necessária para reproduzir, fazer aquelas curvas e traços livres que ele realizou.
E você acha que Niemeyer conseguiu concretizar tudo que desejava nesses 104 anos de vida ou ele ainda tinha o sonho de realizar mais alguma obra?
Ele sempre queria realizar mais alguma coisa. Sempre quis, sempre estava buscando alguma coisa nova. O que o fez sobreviver até os 104 anos foi a motivação de querer trabalhar mesmo quando a saúde não contribuía. O que motivava ele era essa paixão pelo trabalho, pela criação.
Como bisneto de Oscar Niemeyer, o que você aprendeu com ele?
O maior exemplo foi a paixão dele pela arquitetura e pelo trabalho, um exemplo pra mim. Niemeyer sentia-se melhor quando estava criando. Também me chamou sempre a atenção a simplicidade e generosidade dele. Ele trabalhou muito a vida toda, ganhou muito dinheiro, mas nunca fez questão de usufruir da riqueza. Ele sempre ajudou todos que estavam em torno dele. Desde o porteiro do prédio e o motorista aos amigos que precisavam. O Luís Carlos Prestes, comunista, era amigo dele. E Niemeyer deu um apartamento para ele morar. Ele era de uma generosidade incrível. No dia a dia, no trato com as pessoas, ele era sempre amável, delicado e brincalhão. Um homem espirituoso e admirável.
E você conseguiu trazer essa paixão para a sua vida profissional?
Sim. Eu não tive a felicidade dele de ter um talento para alguma atividade criativa e cultural, que eu adoraria. Mas, eu sempre procurei na minha vida profissional fazer coisas que me agradassem e transformassem meu ambiente de trabalho em um lugar prazeroso. Afinal, é onde você faz amigos e passa a maior parte de seu tempo. Trabalhei durante anos na área de marketing da Shell e, depois, fui produzir filmes para o cinema. Hoje, cuido da Fundação Oscar Niemeyer.