O dia em que entrevistei Roger Agnelli – o homem por trás do mito
Entrevistar Roger Agnelli, o emblemático presidente da Vale (de 2001 a 2011), era o desejo de qualquer jornalista. Mesmo na posição de ex-comandante da segunda maior mineradora do mundo, quem não gostaria de ouvir o homem que multiplicou o lucro da companhia por 10? Quem não tentaria escutar seus mais profundos desabafos? Depois de quase três meses de negociações, uma resposta afirmativa seguida de um cancelamento de entrevista dois dias antes da data acertada (o que me deixou inconformada e ainda mais determinada a conseguir uma boa matéria com ele), novas conversas por e-mail, telefone e uma reunião cara a cara com uma pessoa próxima a ele, finalmente consegui entrevistá-lo e assegurar a matéria de capa da revista para a qual eu trabalhava.
Esse episódio ocorreu em setembro de 2012 e jamais me esquecerei desse dia e nem de Agnelli, certamente um dos homens mais marcantes que já entrevistei em 20 anos de jornalismo. Na sala de reuniões onde eu o aguardava, ele surgiu visivelmente mais magro (nove quilos a menos), bronzeado e com um humor surpreendente. Foi um choque. Curiosa, eu esperava um homem duro, bastante direto, impaciente e, quem sabe até, pronto para pôr fim na entrevista a qualquer pergunta mais delicada, a exemplo de sua opinião sobre Lula e Dilma – é público que sua saída da Vale se deu por divergências com o governo. E eis que, pronta para a entrevista-embate, me surge um Agnelli sorridente e com colocações descontraídas durante as cerca de duas horas de papo.
Em poucos minutos, ele me explicou o motivo para a mudança, o que me rendeu o lead (a abertura) da matéria. “Estava beirando os 100 quilos quando saí da Vale e hoje estou com 91. Perdi peso, até porque tirei um peso muito grande dos meus ombros. Estou mais leve em ambos os sentidos”, brincou Agnelli, soltando uma risada logo em seguida. Segundos depois, também ficou claro que eu não deveria confundir bom-humor com fraqueza. A cada resposta dada, Agnelli assumia inevitavelmente o papel de líder, tirando qualquer tipo de poder das minhas mãos e puxando para as dele. Algo esperado para um executivo daquele calibre, calejado pela vida e pelo mercado.
Ele não se esquivou de nenhuma pergunta, vale ressaltar. Contrariando qualquer expectativa, chegou, inclusive, a elogiar Lula (ao final do texto, nas frases de destaque). Na entrevista, falamos sobre sua nova fase na AGN Participações, holding que ele fundou e que tinha, na época, nada menos que 100 projetos em análise nas áreas de mineração, logística e bioenergia. Como um menino entusiasmado, contava sobre o empreendimento com brilho nos olhos, com aquela típica vontade de quem quer fazer a coisa acontecer. Detalhou com todo conhecimento de causa os prós e contras das regiões da África que pretendia atuar, como São Tomé e Príncipe, Gana, Togo, Nigéria, Costa do Marfim e Angola.
Nada poderia deter seus bons projetos. Na minha interpretação, nada poderia deter Roger Agnelli. “A tecnologia brasileira poderia proporcionar um salto de décadas na qualidade e no aumento da produção de alimentos na África.” E emendou: “O Brasil é um país com sangue africano e muitos laços culturais, além de solo e clima parecidos.”
É muito triste saber da tragédia ocorrida ontem em São Paulo, que vitimou Agnelli, sua esposa, seus dois filhos, genro e nora e também o piloto. Dois meses após entrevistá-lo, ele foi eleito pela Harvard Business Review como o 4º melhor CEO do mundo e o único brasileiro da lista dos 10 melhores presidentes de empresas. Agora pouco, conversei rapidamente com a pessoa que intermediou a entrevista com Agnelli e que esteve com ele há uma semana. Também falei com outra pessoa que o encontrou na sexta-feira. Os dois comentaram que Agnelli estava muito bem e ativo.
Exatamente igual ao homem de 53 anos que entrevistei, mas com tom de 23 ao falar de seus projetos de longo prazo. Parecia que ele tinha a vida toda pela frente – e poderia ter não fosse o acidente. Da saúde, ele andava cuidando impecavelmente bem. Sua secretária, não me recordo agora o motivo, me confidenciou que ele costumava almoçar um balanceado shake de baunilha de 93 calorias. Até me deu um para experimentar. Disciplinado, seguia uma dieta à risca e não se dava o direito, pelo menos naquela fase, de se render aos prazeres da mesa. Com os negócios, pelo contrário, demonstrava um grande apetite.
Relendo aqui a matéria – e os e-mails trocados na época com a pessoa próxima do ex-presidente da Vale -, destaco cinco pontos mencionados por Agnelli durante a entrevista:
- SOBRE LULA, DILMA E MANTEGA – Ele garantiu não guardar ressentimento dos três e complementou minha pergunta com a seguinte resposta: “A gente não pode cultivar picuinhas do passado. O Lula realizou um trabalho extraordinário e sempre pensou em África, assim como eu penso.”
- SOBRE O SEU NOVO NEGÓCIO CONCORRER COM A VALE – “Não existe briga com a Vale, mas com os importadores. A demanda é crescente por fertilizantes e tem espaço para todos. Brasil e Ásia precisam, cada vez mais, de potássio e fosfato.”
- CRENÇA EM NOSSA SENHORA APARECIDA – Embora a entrevista tenha sido na sala de reuniões, uma breve passada por sua mesa mostrou uma imagem da santa assim como os dois primeiros botões abertos de sua camisa, que revelaram uma corrente com seis medalhas protetoras – a maioria de Nossa Senhora e anjos da guarda. “Estão todos aqui”, comentou. Como católico apostólico romano, contou ainda que se desdobrou para ir até Aparecida, em 2007, para conhecer o então papa Bento XVI.
- A SAÍDA DA VALE – “Para ser muito sincero, no dia seguinte à minha saída (em 21 de maio de 2011) e após 21 anos de Bradesco e 11 de Vale, eu não sabia como seria minha vida sem tantas viagens, pressões, negociações e tensões.” E atribuiu à mulher Andréa, na época há 26 anos com ele, seu refúgio para tudo, sua parceira de vida. “As mulheres são mais sensitivas e intuitivas e ela, que conhece a Vale melhor que muitos empregados, me orientou nesse momento de indecisão.” Foi assim que o casal ficou quatro meses fora do país – dois meses em Arezzo (Toscana), terra dos ascendentes paternos de Agnelli, e dois em Boston (EUA), em estudos no MIT (Maassachusetts Institute of Technology).
- ANGRA DOS REIS (seu destino no voo que saiu de São Paulo ontem) – Mesmo conhecendo o mundo todo, ele admitiu que não trocava Angra dos Reis (RJ), seu porto seguro e destino de todos os finais de semana quando se encontrava no Brasil, por cidade alguma.
Quem o conheceu, conta que sua determinação para multiplicar o lucro da Vale, mesmo diante da insatisfação de terceiros com suas medidas que resultaram em demissões e na contratação de estaleiros chineses ao invés de brasileiros, fizeram dele um homem bastante corajoso. Nesse caso, cabe bem uma frase de William Shakespeare que diz: “Os covardes morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez.”
Descanse em paz.